Precisamos abandonar Jesus

Um jovem, vestindo apenas um lençol de linho, estava seguindo Jesus. Quando tentaram prendê-lo, ele fugiu nu, deixando o lençol para trás. (Mc 14.51-52)

Ninguém inicia a caminhada cristã pensando em abandonar Jesus. De fato, abandonar não é uma palavra desejável na igreja. Aqueles que abandonam Jesus são vistos como fracos que não perseveram. Por outro lado, parece que o abandono possui importante papel no evangelho.

Os discípulos abandonaram Jesus na hora que ele mais precisava. A fuga precedida por um ato de violência. Se Judas era o traidor, os onze eram aqueles que não compreendiam Jesus. Seguir um Messias que triunfará é plausível. Mas caminhar com aquele que precisa morrer não é atrativo.

O jovem que foge nu, deixando o lençol que o envolve para trás é o símbolo do abandono dos discípulos. Ele é o ápice da vergonha de quem começa e não termina. O protótipo da covardia humana. A imagem da incompreensão.

Mas ele não simboliza somente isso. Ele também aponta para o futuro. Ele desnuda aquilo que acontecerá. Jesus precisa morrer. Porque junto com a crucificação do Mestre, todos os outros "Messias" criados pelos discípulos também morrem. Somente o verdadeiro permanece. É no jardim que a religiosidade de cada seguidor é confrontada. O discípulo cansado da caminhada e obtuso por não entender precisa fugir para que algo novo aconteça.

O jovem que foge nu aponta para a ressurreição de Cristo. Ele é um vislumbre do novo. Da mesma forma que os inimigos ficam inertes com o lençol da vergonha enquanto o jovem se livra e vive, Jesus ressuscita e deixa nas mãos da morte sua mortalha.

Agora Ele faz tudo novo: discípulo que não precisa compreender Deus mas que tem prazer na caminhada. Enxergamos a luz. Tornamo-nos luz pois estamos sob a ressurreição. Produzimos vida nas outras pessoas porque Jesus morreu por nós.

É verdade que Jesus não precisa mais de abandono para cumprir aquilo que veio fazer: sofrer, morrer e ressuscitar. Mas o abandono dos discípulos hoje constrói o amadurecimento da fé amanhã. Pois quem foge deixa para trás uma imagem construída e abraça o verdadeiro Jesus que se revela e se deixa ser conhecido na caminhada.

Depois de tanto conforto, após tantas experiências com Deus, talvez estejamos cheios de nós mesmos. Nossa alma está presa no jardim. Está pesado. Não aceitamos a vontade do Pai. Custamos a entender que precisamos abandonar o "nosso Jesus" à morte.

Não tenhamos medo. Esse Jesus veio para ser abandonado. Será doloroso no começo. O verdadeiro se confunde com o falso. Mas após a morte de Deus virá a ressurreição do único que pode ressurgir. Então Ele sussurrará em nosso coração: "Vamos começar de novo? Espero vocês todos lá na Galiléia."

Precisamos perder para ganhar. Somos convidados a abandonar para sermos chamados novamente. Pois quando ficamos muito tempo sem ouvir seu convite, nós nos convidamos para uma triste caminhada de convicções, verdades medíocres, sem emoção, sem abandono e sem Deus

Jesus se deixou abandonar para jamais nos deixar. Ele se entregou à solidão para caminhar conosco eternamente. O abandono de Deus a si mesmo possibilita a nossa renúncia aos ídolos ao mesmo tempo que solicita nossa companhia.

No fim das contas, abandonar Jesus não é abdicar da fé. Deixá-lo por um momento significa se livrar do usurpador e seguir renovado pelo caminho de Deus e com Deus. Deixá-lo significa reaprender, amadurecer, se dar conta de sua própria corrupção e da grandeza divina. Significa amá-lo como devemos amar: sem posse, sem controle, pela fé.

Alcides Bardela Filho


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